Serviços

O que mudou com a pandemia Covid-19 na indústria dos carros

Escrito por Roberto Nunes

Cassio Pagliarini e Paulo Cardamone – Bright Consulting
No mar revolto em que se transformou o mercado global da indústria automobilística, a palavra “previsão” parece ser proibida. Ter informações robustas sobre o futuro do setor no Brasil é a diferença entre a decisão alinhada ao momento e ajustes cujas consequências poderão custar milhões de reais às empresas. É determinante ter o domínio de informações sobre o comportamento do mercado, com o objetivo de orientar os gestores do setor, uma vez que o planejamento das empresas no retorno às atividades tem por base as decisões de curto e de médio prazos.
São apenas 15 dias desde a última publicação, mas algumas mudanças são significativas: enquanto a grande maioria do mercado acreditava em uma queda de até 90% nas vendas de veículos leves de abril em relação a março e que o fim dos tempos estava próximo, prevíamos uma venda de 43 mil unidades, já que a participação de São Paulo era insignificante devido à queda dos licenciamentos como consequência do fechamento do Detran no estado.
Abril fechou com emplacamentos de 51,4 mil unidades, 67% a menos do que o mês anterior, devido às incertezas com relação à pandemia e aos efeitos do “lockdown” parcial nos principais centros do país. Acredita-se que aproximadamente 15 mil veículos já vendidos deixaram de ser licenciados, majoritariamente em São Paulo, volume este que deverá ser computado às vendas de maio.
Apesar de nossas previsões considerarem expectativas econômicas (as quais neste momento carregam grande parcela do imponderável), nossa metodologia ancora os números na evolução de alguns segmentos e na redução das vendas corporativas, ou seja, o peso de vendas a locadoras deverá diminuir enquanto o peso das vendas PCD deverá aumentar.
Nossa previsão de vendas e produção para o mercado de veículos leves está detalhada no quadro abaixo e foi ajustada à extensão do isolamento decretada em vários estados após 15 de abril:

Com isso, nossa previsão para o 2º trimestre do ano reflete, agora, vendas de 295,4 mil unidades – uma queda de 45% em relação ao primeiro trimestre de 2020.
O que nos aguarda após o isolamento
Países inteiros tiveram sua mobilidade restringida, mas os efeitos da crise que irão perdurar após a volta da livre circulação das pessoas e veículos farão parte da gestão diária dos executivos do setor automotivo por longo tempo. As consequências na indústria automobilística serão multifacetadas e permanentes, a ponto de a reorganização do setor ser uma nova história a ser contada.
No entanto, é necessário pensar na nova configuração do mundo pós-pandemia, que está diretamente relacionada à forma como os mercados e as atividades comerciais irão se reestabelecer no “novo normal”.
Continuará a indústria automotiva a ser um polo de desenvolvimento no mundo e quais as consequências para o Brasil? Como ficarão as empresas, os empregos em toda a cadeia de valor, os investimentos e a regulação relacionada à segurança, emissões e eficiência energética? Qual será a vontade política para continuar limitando as emissões de gases de efeito estufa a fim de mitigar o aquecimento global?
Os governos federal e estaduais vieram em socorro ao mercado estendendo prazos de pagamento de tributos. As negociações entre empresas e empregados evoluíram. Porém, as negociações relacionadas a capital de giro entre montadoras e bancos continuavam na pauta ao final de abril. Pagamentos em toda a cadeia continuam escassos impactando, principalmente, as pequenas e médias empresas tanto no fornecimento de componentes quanto de distribuição.
Vagamente, começam a ser sinalizados novos produtos e novos prazos de lançamento, ajustados a esta nova realidade mais lenta e de menor volume. Como um sinal dessa mudança, diminuíram muito as campanhas publicitárias em TV, refletindo os novos tempos de contas mais enxutas.

Cassio Pagliarini e Paulo Cardamon

Riscos e consequências
* Inviabilização das pequenas e médias empresas – O temor pela sobrevivência das PME’s aumentou consideravelmente nas últimas 2 semanas, uma vez que o fundo de caixa restante está se acabando. Os bancos receiam socorrer empresas que podem quebrar, o que se traduz em aprovações morosas e taxas mais altas – tudo o que o mercado não precisa.
* Postergação das compras de veículos – A segurança necessária para a compra de um veículo novo evaporou, tanto pela descapitalização das famílias quanto pela menor utilização dos mesmos. “Compre agora e pague no ano que vem” tem sido o mote mais frequente das ofertas. Veículos usados, transformados em caixa para pagar despesas, viram seus preços despencarem. As montadoras retardaram seu reinício de operações e trabalharão a venda dos estoques existentes, sem loucuras. Já não se encontram mais exemplos de taxa zero.
* Desemprego – O Programa Emergencial de Manutenção de Emprego e Renda (MP-936/2020) está permitindo que uma parcela do emprego seja protegida com demissão proporcionalmente menor que a redução dos negócios. As demissões ocorrem agora em maio por toda a cadeia e serão informadas nos noticiários. Mantemos sua previsão com a redução de aproximadamente 10 mil empregos nas montadoras e de 20 mil posições nas autopeças.
* Rede de distribuição – De acordo com a Fenabrave, aproximadamente 30% das concessionárias não suportarão passar o mês de maio fechadas. As montadoras e seus bancos vinculados concederam o auxílio que era possível, mas que não resolve o problema. A ajuda governamental na forma de postergação de impostos e oferta de capital de giro deve ser prioridade. Decisões tomadas em abril e implementadas em maio irão separar as empresas que continuam daquelas que ficam pelo caminho.
* Metas regulatórias – Espera-se que haja, por parte do governo, flexibilização na qualificação das montadoras às regulações de eficiência energética e segurança do programa Rota 2030 e de emissões PL7 e PL8 do Proconve. Achatar a curva das metas para evitar aumento de custos em um momento futuro de recuperação do mercado parece ser razoável. Postergar obrigações regulatórias por até 3 anos como ventilado em abril traria prejuízos imensos tanto à saúde pública quanto à economia.
* Mudança no perfil da venda – As regras de isolamento causaram grande impacto na mobilidade de pessoas e veículos, o que abalou pesadamente o negócio das locadoras cujo business estava alavancado pelos serviços de mobilidade sob demanda. A consequência foi a devolução em massa de veículos aos pátios das locadoras, que irão acelerar as ações de redução de estoque e queda nos preços dos usados. Mostramos como as locadoras participarão menos nas vendas da indústria em 2020.
* Pressão de preços nos veículos “0 km”– A pressão de preços dos usados vai reverberar nos veículos zero em um momento em que as montadoras necessitam repassar em torno de 12% de aumento de preço devido à desvalorização do Dólar, base para commodities e conteúdo importado dos veículos. Mesmo com a lógica da crise nos direcionando a pensar que os consumidores irão procurar veículos de entrada, entendemos que o perfil de compra no Brasil de hoje é completamente diferente daquele de 2013/2014. Em um mercado no qual a venda à pessoa física representou 1,2 milhão de veículos, o perfil do comprador de SUV e com “dinheiro na mão” deverá prevalecer.
* Globalização em xeque – O mundo tem assistido a ações protecionistas de países como Japão, Alemanha e USA que estão patrocinando o retorno de empresas instaladas na Ásia a seus territórios. No caso do Brasil, a atual desvalorização do Real abre oportunidades reais e necessárias à localização de componentes desviados em passado recente principalmente à China e ao México devido à falta de competitividade da indústria local.
 

Sobre o Autor

Roberto Nunes

Deixe um comentário